Proibição de música ao vivo em Fortaleza!
Em virtude dos últimos acontecimentos, que nos abalaram bastante, estou divulgando os e-mails que recebi contendo os protestos de alguns músicos de Fortaleza afetados por todo esse problema. Segue abaixo.
Por TEMBIÚ:
Palhaçada, essa da SEMAM! Os fiscais não entenderam nada da nova orientação quanto a diminuir o barulho da cidade. Ao invés de inibir a poluição sonora em Fortaleza, eles estão impedindo a produção artística através da música ao vivo enquanto os carros com paredões de som continuam rodando pelos bairros sem a menor preocupação. Aonde vai parar essa "ignorância legal", legitimada pela prefeitura?!
Será que o melhor caminho é fazer "música-mímica"? O músico não leva os instrumentos e nem precisa de equipamento, apenas ele desenvolve a habilidade de apresentar os gestos que faria tocando seus instrumentos e pronto. Silêncio (ZZZZZZZ) e imagem. Acho infalível essa tática, até porque os músicos finalmente vão desenvolver a linguagem teatral, a partir da mímica. Chico science já previa isso em SAMBA MAKOSSA; e ele já estava preparado: "cadê as notas que estavam aqui? eu não preciso delas". Basta fazer a pantomima. Viva Zumbi!
É, minha gente, o lance é fechar as tantas escolas de música que a cidade vai ganhando e estimular os artistas a prestarem concurso pra Polícia Federal. Vejam abaixo o e-mail do guitarrista ARTUR MENEZES, um dos maiores blueseiros do Ceará.
Abraço,
Rodrigo de Oliveira
Por Artur Menezes:
REPASSANDO
Ontem, quinta, eu, Lucas e Wladimir tocamos, como de costume, no Degusti. Em um dos intervalos, a proprietária nos chamou pra conversarmos. Disse que, em reunião com a SEMAM, está proibido o uso de bateria nos bares (não sei se só nos abertos ou nos fechados também, como Órbita). Nesta reunião, ela conseguiu uma espécie de autorização legalizada, pra ter música ao vivo e tal, e disse que, nas especificações, está proibido o uso de bateria. Segundo ela, "Carron" (não sei se é assim que se escreve) ou bateria eletrônica serão permitidos.
Além disso, o som tem que estar até 60 ou 70 decibéis, não lembro ao certo. Resumindo: Wladimir vai tocar de Carron na próxima quinta, pois, se a Semam aparecer, pode confiscar o instrumento dele e multar o bar. Também posso ter a minha guitarra apreendida, caso passe a quantidade de decibéis. Acontece que 60 decibéis é mais baixo que o "burburinho" (conversa das pessoas no bar). Como é que fica isso?
Estou escrevendo pra tentarmos nos reunir, não só a gente da Casa do Blues, mas músicos, advogados, vereadoes próximos, como o Elpídio etc. Pois, imaginem só: já é difícil ser músico aqui em Fortaleza, não só músicos que vivem de música, mas pessoas que curtem trabalhar paralelo com música, avaliem agora com essas restrições. Os locais já são reduzidos. E a Casa do Blues no Mercado??? Lá é local aberto e, tranquilamente, o som fala mais do que 60 decibéis. E os bateras??? Acabou a profissão de baterista? Vamos tocar blues com "Carron"? Rock'n'roll com "Carron"?
Pra vocês terem uma idéia, a Semam proibiu shows no palco da passarela do Dragão do Mar (um Centro Cultural). Nem tem vizinhança ali. O Teatro das Marias foi fechado em plena Bienal Internacional de Dança. Um evento ligado ao Estado, se não me engano. Era percussão que tava rolando nesse dia: o Afoxé! Nossa cultura vinda dos escravos! E aí? Matou a percussa? Maracatu, Afoxé, Samba, Forró (zabumba e triângulo)? Roda de capoeira agora vai ser sem som?
Estão fiscalizando igrejas também, bares, som de carro (aqueles paredões. Com relação a isso eu até concordo). Parece até exagero meu, mas é isso que tá rolando e que estão me passando. Vale a pena, antes de fazermos qualquer alarde, pesquisar na certa o que tá acontecendo. Se é assim mesmo. Se tá tudo escrito na lei. Quais os argumentos deles. A gente sabe que Fortaleza é uma cidade turística. Muito do que arrecada vem desse setor. Isso com certeza vai prejudicar a economia da cidade. Não está fazendo muito sentido essa atuação da Semam, pois está indo de encontro ao crescimento econômico de Fortaleza.
Com certeza tem alguma gaiatice rolando... Galera da Semam faturando, talvez, pois, pra continuar funcionando com shows, o local tem que fazer uma reforma na acústica. E a consultoria TEM QUE SER FEITA COM O ENGENHEIRO DE ÁUDIO DA SEMAM! E olhe lá que o Wlad me disse que engenheiro de som formado, só existem uns 6, 7 no Brasil. Duvido muito que esse cara seja um deles... Bom, quem souber de mais detalhes, complementa o texto respondendo pra todos que foram anexados no e-mail.
Depois de tirarmos nossas conclusões, sugiro que façamos um texto e divulguemos para todos os músicos que conhecemos. Assim, podemos mobilizar mais gente e encontrar uma maneira de acabar com esse RETROCESSO.
Abraço!
Artur Menezes.
Por Nara Marques:
Não custa ressaltar que a confusão da atuação da SEMAM é evidente e nos afeta diretamente. Desde a Bienal Internacional de Dança, há exatas duas semanas, o Teatro Café das Marias foi EMBARGADO e, como resultado disso, estamos desabrigados, tendo que realizar nossos ensaios na rua. Isso tudo às vésperas da Bienal de Percussão, movimento de fundamental importância que nós da Caravana realizamos sem NENHUMA AJUDA DE CUSTO, nem mesmo das instituições estatais que deveriam fomentar as atividades culturais.
Também vale dizer que o Teatro é um Ponto de Cultura FEDERAL, aprovado pelo Minc (Ministério da Cultura) e, além das aulas-ensaios da Caravana e do Tambor das Marias, realiza outras atividades essenciais à construção da cidadania, como os trabalhos comunitários que visam a educar jovens de rua através da música percussiva. Preciso dizer que isso reduz significativamente o extravio dessas pessoas para caminhos ilícitos, prevenindo-os diretamente contra a violência e as drogas?
Esse, para não citar outros, é o tipo do trabalho que NINGUÉM dos poderes públicos quer/pode fazer. E nós continuamos lá, fazendo o trabalho dos outros, sem lucrar NADA com isso. O ínfimo suporte que recebemos (nada menos do que sua obrigação) vem de alguns órgãos públicos. Como fica isso? Que espécie de conflito está sendo gerado? Será que a SEMAM tem, realmente, o poder de ferir o nosso direito CONSTITUCIONAL?
Não sei se minhas dúvidas vêm do fato de eu ser recém-formada em Direito e ter ainda um longo caminho de aprendizado pela frente, mas, pelo pouco que entendo, quero fazer algumas colocações.
De acordo com o artigo 23, inciso I, da Constituição Federal de 1988, é da competência comum da União, dos Estados, DF e dos municípios conservar o patrimônio público, aí incluído o conceito de patrimônio cultural. Também estão entre essas obrigações as seguintes: “III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;”. Autoexplicativo, não?
Para atingir os objetivos elencados na CF, os entes federativos fazem uso do seu Poder de Polícia. Ocorre que esta é uma faca de dois gumes, pois, ao mesmo tempo em que regula as relações humanas na sociedade, pode ser utilizado como instrumento de coação e, por que não dizer, garantidor do já conhecido instinto estatal de usar a força e agir com autoritarismo mesmo quando desnecessário. Como diz CIRNE LIMA, “o poder de polícia deve significar uma intervenção reguladora, nunca mutiladora dos direitos em sua essência”. Deve, assim, ser exercido visando o interesse público.
Diante disso, quero propor esse questinamento: até que ponto é legítimo o uso do Poder de Polícia, pela SEMAM, nos moldes em que vem acontecendo? Quais são os interesses públicos envolvidos nisso? Será que existe interesse maior do que o exercício do nosso direito à cultura e à liberdade de expressão? Existe interesse público maior do que a educação de jovens carentes que não tiveram acesso a educação de qualidade exatamente por omissão do Estado (sentido amplo)?
É certo que aos municípios, desde que elevados à categoria de entes federativos pela CF/88, compete legislar SUPLEMENTARMENTE sobre assuntos que versem sobre a conservação do meio ambiente. Mas será que uma secretaria municipal pode interromper um projeto que está sendo custeado por instituições federais?
Quando a proprietária do Teatro (a internacionalmente conhecida coreógrafa Valéria Pinheiro) buscou um diálogo com a SEMAM, foi instruída a fazer um projeto acústico com um engenheiro de som. Me causou estranheza o fato de que A PRÓPRIA SEMAM apresentou-lhe uma lista de engenheiros INDICADOS para a elaboração desse projeto. E tem mais: projeto feito não é sinônimo de projeto aprovado.
Meus (poucos) anos de vida e algum conhecimento (superficial) de História do Brasil me ensinaram a desconfiar desse tipo de posicionamento. Se tivesse que apostar em alguma coisa, seria na possibilidade (quase uma certeza) de que, se apresentarmos um projeto feito por outro profissional alheio à lista, ele será reiteradamente negado. Alguém duvida?
Enquanto isso, vamos fazendo a Bienal de Percussão, disseminando a cultura e a educação acessível a todos (afinal, as oficinas são gratuitas), na raça, sem contar com nenhuma verba pública. Só nos resta torcer para que o Parque das Crianças e o SESC-Iracema não sejam também embargados. E, quanto aos ensaios, já que não temos teto para nos abrigar, continuaremos levando nossos tambores às ruas e fazendo nosso som. Não é possível que ninguém escute nossos gritos.
Antes de terminar, gostaria de informar que haverá uma reunião para debater esses assuntos, que são de nosso interesse, no próximo dia 09 de novembro (segunda-feira), às 17hs, na Biblioteca Pública do Centro Dragão de Arte e Cultura (será que deve mudar de nome?!). Seria interessante que todos pudessem comparecer para debater. Precisamos entender o que está acontecendo e apresentar nossas manifestações.
Nós, guerrilheiros da cultura popular, precisamos de vocês.